Aula do dia 18/05/12- Contribuição dos alunos
Uma das principais discussões que circunda o ambiente acadêmico é a relação entre teoria e prática. Em se tratando especificamente da educação, a discussão se direciona para a relação entre as teorias educacionais, estudadas na graduação ou pós-graduação, com a prática escolar. Uma das pontes entre realidade escolar e realidade acadêmica, no âmbito de uma completar reciprocamente a melhor compreensão da outra, é através da pesquisa. A pesquisa permite olhar o real, coletar dados interpretando-os à luz da área do universo acadêmico do pesquisador. Mas para que servem os dados? De que forma, ou como melhor interpretar os dados? Ou então, para que serve a minha pesquisa?
Para direcionar respostas a tais indagações é preciso salientar que a pesquisa não esgota o real, ou seja, o olhar de um pesquisador não esgota o significado do real. Mas, em se tratando dos dados de uma pesquisa, um trecho da entrevista com Mário Sérgio Cortella merece atenção.
Em um ponto da entrevista, a jornalista menciona sobre o currículo escolar brasileiro que propõe a formação ética e cidadã e pergunta para Cortella porque isso não ocorre, já que uma pesquisa constatou que 77% dos encarcerados no Brasil não concluíram o ensino fundamental. É de se esperar que Mário realize uma crítica ao sistema educacional, ou social atrelado às deficiências das políticas públicas, ou então ao sistema econômico capitalista. Cortella, no entanto, indaga: “mas a que conclusão você chega com esta informação? Vai preso quem não conclui o ensino fundamental ou quem não tem dinheiro? Cuidado com leitura de estatística!”
Percebe-se que ele inverte e desmistifica a ideologia presente na pergunta da jornalista propondo a ela um recorde desta estatística não pela escolarização, mas por uma outra leitura de prisão atrelada às pessoas com menos recursos para utilizar ferramentas para não estar preso. Em outro momento ele então afirma: “O que a escolaridade indica, neste caso que você coloca, é que a criminalidade está ligada a uma classe social que também já é vitimada pela ausência de escolaridade”.
Neste sentido, a pesquisa não deve reduzir o currículo a meras estatísticas cujos dados podem ser interpretados pelo pesquisador à luz de ideologias que legitimam discursos opressores. Ao contrário, a pesquisa deve contemplar o currículo como práxis, ou seja, pela concretude complexamente determinada pelo macro e micro contexto no qual a escola está inserida. Ao pensar o currículo como práxis, a prática docente não se resume a um fazer alienado e acabado. Ao contrário, a práxis resgata a prática docente colocando-a em um contínuo diálogo reflexivo-crítico com a teoria, trazendo diariamente indagações que vão moldando a prática docente. Neste sentido, destaca-se, por exemplo, algumas dessas indagações: de que forma o conhecimento se organiza e se dá na escola? Que currículo é esse? Quem o produz? Como é ensinado e como é vivido? Que cotidiano está contido nos documentos oficias? Será que é somente o trabalho que é relevante para o aluno? Algumas indagações podem até mesmo se direcionar para um sentido mais amplo da educação: O que é saber? O que é ensinar? Quem é o aluno? Que “gentificação” eu quero produzir com tal conhecimento ou planejamento? De que forma este conhecimento vai ser relevante para a vida do aluno?
A educação só faz sentido quando se considera o outro. O professor não pode ser visto separadamente do aluno. É com o outro que ele se forma em um processo de “outrar-se”. Mário Sergio, quando entrevistado, faz uma distinção entre escolarização e educação. Para ele a educação é um conceito mais amplo, que contempla uma contínua formação dentro do universo cultural do qual fazemos parte, como por exemplo, na família, no universo midiático, em cursos, igreja, amigos, viagens etc. A escolarização já é algo mais restrito. Ela está inserida na educação, porém restrita mais ao ambiente formal escolar.
Mas por que tal distinção entre escolarização e educação? Qual a papel da escola e da família na construção de valores pertinentes à educação? Ultimamente a escola tem assumido as funções de outras instituições, como por exemplo, as famílias, a religião, os bairros, dentre outras. Tais afirmações geram várias ponderações. A escola foi recebendo imposições, passando a ser cobrada por obrigações que não lhes cabem, sobrecarregando a todos os profissionais do ensino em geral, principalmente aos professores, que estão na linha de frente dessa difícil batalha. É hora da escola reagir, da sociedade participar do processo de formação dos cidadãos e também de cada instituição assumir suas responsabilidades.
Retomando a questão anterior em que a jornalista aludiu para justificar a falta de ética de encarcerados através de sua escolarização, tal questão toca no sério problema de remeter à educação o encargo de resolver complexos problemas sociais e familiares ou então de aumentar o desenvolvimento econômico de uma nação. É neste ponto que o docente deve desmistificar ideologias presentes no currículo prescrito, que são até mesmo legitimados socialmente, quando ele se depara, por exemplo, com os chamados conteúdos transversais. Tai conteúdos "fatiam" o conhecimento dando a ele uma fluidez característica, importante somente para um segmento social, para uma economia capitalista ou empresarial. Tal conhecimento fluído não se revela como algo de fato, ficando somente no nível da informação momentânea.
O currículo revela-se como um campo de tensões entre múltiplos e complexos fatores do currículo prescrito oficialmente, vivenciado e oculto. No currículo prescrito oficialmente o tencionar dirige-se para o nivelamento cultural que desconsidera os contornos do singular e do particular das instituições escolares. No currículo vivenciado, o tencionar dirige-se para a política assumida pelo professor em sala de aula, já que o pensar currículo é epistemologia e política, bem como as “cortinas” epistemológicas que são colocadas na relação entre professor-aluno e que inclusive influenciam na aprendizagem. No currículo oculto o tencionar dirige-se para a escuta do currículo, ou seja, das situações que acontecem e que não acontecem em sala de aula com os alunos. É justamente esta escuta que alimenta e subsidia a práxis docente.
Contribuição: Tadeu, Jacy
Após rica contribuição dos colegas Tadeu e Jacy, falta-me palavras e reflexões a altura do texto. Entretanto, vou dizer em poucas palavras o que a aula e a leitura tanto da entrevista como desse texto me fez pensar. Gosto de escrever, muitas vezes em primeira pessoa, para que tanto eu quanto o leitor sejamos inseridos na "conversa", pelo menos em ocasiões em que me é permitido não ser imparcial. Dessa forma o que tenho pra dizer é pouco, mas penso estar em sintonia com o que estamos discutindo há tempos na disciplina.
Sou professora! Como já disse antes, gosto de ser professora, de ensinar... Poderia ser professora de história, língua portuguesa, geografia, canto, dança (se soubesse dançar, claro!), ou seja, independente da "matéria" na qual sou formada, o que me encanta mesmo - e me dá medo também! - é ser professora.
Antes de pensar que vou ensinar Física a meus alunos, gosto de pensar que estou trabalhando com gente que precisa antes de qualquer coisa, se tornar GENTE!
Quando estava dando aulas, muitas vezes parei o que estava trabalhando para "bater um papo" com meus alunos, e acreditem, era incrível como a sala ficava em silêncio para ouvir enquanto um ou outro falava. Sempre tinha respeito pela vez do outro e pela opinião do outro. Eram assuntos diversos, coisas que me chamaram atenção e que eu pensava ser importante discutir, pois a matéria, os cálculos, a resolução de problemas eles aprendem com um pouco de dedicação e estudo, agora refletir criticamente sobre um ocorrido de modo a entender que existem várias versões sobre o mesmo - e que o fato do meu vizinho apresentar uma opinião diferente da minha não o faz ser menos do que é, ou me faz melhor que o outro - isso é muito difícil de se encontrar nos livros.
Claro que não posso esquecer de ensinar Física e a ensino, mas além disso, prefiro fazer com que através dela meus alunos enxerguem o mundo! Não apenas o mundo físico, palpável, regido por leis e que sempre quer ser desvendado, mas também o mundo humano, com suas indefinições, indagações, diferenças, valores, desvalores, reflexões, enfim... o mundo que a cada dia que o observo com o olhar crítico e ao mesmo tempo piedoso, me faz chegar mais perto de me tornar mais GENTE!
Penso que é mais ou menos isso dizem as frases "Educar para a vida!" ou "formar um cidadão crítico" que adoram aparecer nos textos sobre educação, mas que no final a gente sempre se pergunta: E aí? do que o texto falava mesmo?
Mas se não for por aí, me perdoem, esse foi só o meu ponto de vista sobre as mesmas! ;)
Contribuição: Cris Macedo
Entretanto, gostaria de indagar: No processo educativo, o que é o considerar o outro? Ou, ainda, o que é o torna-se gente? Obviamente, conforme os colegas já mencionaram, estas questões envolvem temas como currículo, ética, ideologia, etc., no entanto, sem o intuito de oferecer respostas às questões levantadas, gostaria de salientar que, na complexidade que é o ser humano, incorremos no risco de enquadrar nossos alunos na nossa visão de mundo, em nossos valores, etc, mesmo porque, a meu ver, tais propostas, a de considerar o outro e o de tornar-se gente, não são tão claras para nós. Daí, a necessidade de nos considerarmos, alunos e professores, no mesmo processo de “gentificação”, apesar de não compreende-lo em sua plenitude, mas acreditando que este seja o caminho.
Contribuição: Waldemir
Penso que o currículo enquanto organizador de saberes é fundamental tanto no espaço universal quanto no particular do indivíduo. O universal representado pela totalidade, pelaa comunidade em que se está inserido, que está “globalizada”. E o particular, representa a interioridade e as necessidades de cada um.
Percebo que há algumas aulas o tema “o ensino da ética e de valores” tem surgido em nossos debates com certa frequência. De quem é a responsabilidade por esse aprendizado? Como, quando e por quem deve ser abordado? São questões que envolvem várias instituições, como por exemplo, a família, a igreja e a escola.
Neste contexto qual será o papel do currículo? É consenso que ele deve ser modificado e que tem grande importância no desenvolvimento pessoal, ou seja, no processo de “gentificação”. Mas até que ponto ele deve preencher, nos alunos, as lacunas existentes, consequentes das transformações que ocorrem constantemente na sociedade?
Devemos refletir sobre quais aspectos educacionais devem ser, realmente, modificados para que o currículo possa atender às novas perspectivas de uma sociedade em transformação constante.
Contribuição: Lauren
Ao ler os textos que meus colegas redigiram, percebi, como a Laren mencionou, que o assunto "ensino de ética e de valores" permeia a maioria - senão todas - as nossas reflexões. Diante desta situação, eu gostaria de fazer uma observação referente à distância entre aquilo que os PCNs trazem como orientações, que supostamente são as melhores e que deveriam ser seguidas - e aqui quero chamar a atenção para a importância dada à formação de um cidadão crítico - e aquilo que ocorre em sala de aula. O que tenho percebido é que a formação para cidadania está sendo quase que totalmente substituída por um ensino que privilegia o conteúdo - a matéria pela matéria. Embora muitas pesquisas mostrem a necessidade de trabalharmos, em sala de aula, questões que ajudem os alunos a refletirem criticamente sobre as decisões que irão tomar (questões estas que estão, por exemplo, vinculadas à influência da Ciência e da Tecnologia sobre a Sociedade e desta última sobre aquelas -; questões que façam os alunos compreenderem seu papel social (ou entenderem a importância da ética)), a prática docente é essencialmente conteudista. Concordo com o que os nossos colegas, Tadeu e Jacy, expuseram a respeito da responsabilidade que cada instituição deve assumir no que tange à formação do aluno. Em vista disto, penso que - a exemplo da Cris - darmos uma pausa durante a aula para "batermos um papo" com os alunos; afinal, eles passarão - até por volta dos dezoito anos - boa parte da vida na escola. Logo, esta exercerá enorme influência sobre a construção dos valores éticos dos estudantes.
Contribuição: Rafael Schepper.
Ao ler os textos que meus colegas redigiram, percebi, como a Laren mencionou, que o assunto "ensino de ética e de valores" permeia a maioria - senão todas - as nossas reflexões. Diante desta situação, eu gostaria de fazer uma observação referente à distância entre aquilo que os PCNs trazem como orientações, que supostamente são as melhores e que deveriam ser seguidas - e aqui quero chamar a atenção para a importância dada à formação de um cidadão crítico - e aquilo que ocorre em sala de aula. O que tenho percebido é que a formação para cidadania está sendo quase que totalmente substituída por um ensino que privilegia o conteúdo - a matéria pela matéria. Embora muitas pesquisas mostrem a necessidade de trabalharmos, em sala de aula, questões que ajudem os alunos a refletirem criticamente sobre as decisões que irão tomar (questões estas que estão, por exemplo, vinculadas à influência da Ciência e da Tecnologia sobre a Sociedade e desta última sobre aquelas -; questões que façam os alunos compreenderem seu papel social (ou entenderem a importância da ética)), a prática docente é essencialmente conteudista. Concordo com o que os nossos colegas, Tadeu e Jacy, expuseram a respeito da responsabilidade que cada instituição deve assumir no que tange à formação do aluno. Em vista disto, penso que - a exemplo da Cris - darmos uma pausa durante a aula para "batermos um papo" com os alunos; afinal, eles passarão - até por volta dos dezoito anos - boa parte da vida na escola. Logo, esta exercerá enorme influência sobre a construção dos valores éticos dos estudantes.
Contribuição: Rafael Schepper.
A matéria que leciono na Faculdade de Medicina já é, por si só, muito mais construtora de valores do que de saberes textuais: Tanatologia e Cuidados Paliativos, Estudo da Morte e de formas de dignificá-la e de trazê-la para o cotidiano da prática do futuro médico!
Tarefa bem difícil essa, a de levar jovens em plena idade do heroísmo e dos super-poderes, a refletirem sobre a finitude da vida, a aceitarem a desconstrução humilde da onipotência...
Soma-se a esta dificuldade, a de ser sozinha (ou quase sozinha) na tarefa; existem muito poucas iniciativas no país que se pareçam com a minha Disciplina na FMIt. Por absurdo que possa parecer, só se ensina o futuro médico a CURAR; quando isto não é possível, faz-se um silêncio abissal sobre o que fazer do doente que “desobedece” à vontade férrea do médico!
A morte não faz parte do ciclo da vida, para a nossa cultura, a morte ofende os olhos, os ouvidos e os narizes refinados da nossa gente, crianças são “poupadas” da visão dos doentes e dos moribundos...
Pobre cultura esta, a nossa, que com a negação da morte perde a oportunidade de se aperceber da preciosidade da vida, finita e esgotável... Não assombra o consumismo enlouquecido de uma cultura que não pode pensar, porque se entristece; não pode se entristecer porque se destrói e destrói o mito da felicidade eterna...
Pensar um currículo de Tanatologia e Cuidados Paliativos?
É claro que há remédios e doses e diagnósticos e exames a ensinar, a repisar e a cobrar; mas, principalmente, é preciso ajudar a refletir, a chorar, a ter medo e a enfrentá-lo com delicadeza e humildade, a sentir a dor do Outro e se comprometer com ela... E comprometer-se com a dor do Outro não é curá-la, em absoluto, mas é permanecer junto e secar as lágrimas (as próprias e as do Outro), e ficar ao lado para pensarem juntos no Infinito...
Saberes técnicos específicos são úteis apenas em parte mas mitos, história, mobilizações, teatro, música, filosofia, encontros com lugares onde mora a morte, tudo isto nos ajuda a nos despir das roupas pesadas e inúteis para a caminhada em busca da Arte do Cuidar do Outro e de nós mesmos...
Graça Mota Figueiredo
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